sexta-feira, 14 de outubro de 2011

FRAGMENTOS DA VIDA DE UMA ESTRELA.






Diante de tuas fotos e lembranças me debruço e navego na história de tua vida!
Mudaste deste plano terreno, mas deixaste a impregnação de teus gestos e ações, permeados de bondade, amor, ternura, compreensão e caridade...

Foste a primeira filha de Juvêncio Bezerra e de Maria Alaíde de Farias, cujos nomes estão nos anais do tempo como benfeitores da história de Itapetim. Em seguida vieram Adalva, Júnia e Judite complementando a família.
Nossos antepassados guardaram no baú sagrado de suas memórias, e passaram para seus familiares esse reconhecimento e gratidão por madrinha Maria, a eterna artista de Itapetim. Seu Juvêncio, um comerciante culto e sábio, fonte de informações culturais entre o Recife e Itapetim. Como conhecedor profundo da flora regional era "doutor" em homeopatia, atendendo gratuitamente a quem o procurava. Estendeu sua amizade e serviços a toda família de Madrinha Maria, onde se tornou o orientador e solucionador dos problemas.

Assim também foste tu, Anísia, à semelhança do teu pai. Foste a primeira professora, pedagogicamente falando. Como filha de Itapetim - uma cidade que à época não tinha colégios - para galgar conhecimentos, tiveste que subir e descer a Serra do Teixeira no lombo de cavalos, em busca de estudos “nos Patos das Espinharas” (assim falava o povo da região, referindo-se a vizinha Cidade de Patos, no estado da Paraíba).

Em 1956, tu estavas linda e exuberante, em plena juventude, na galeria de fotos das formandas do magistério do Colégio Cristo Rei.

Após a tua formatura, em complemento as tuas realizações, casaste com o jovem Jaime Leite Wanderlei.


Quando foste nomeada para lecionar em Itapetim, tua cidade natal, onde havia carência de professores, o coração da tua família e dos teus conterrâneos vibraram de contentamento. A felicidade foi geral.
Com o casamento vieram os filhos: Osmundo, Álvaro, Alberto e Osmilda.
Jaime trabalhava no Cartório Eleitoral em Patos-PB e tu, por força do cargo de professora em Itapetim, te dividias entre as duas cidades.

Naquela época, mudança no cenário político punha em risco o destino das pessoas. Elas poderiam ser transferidas, até mesmo os que exerciam cargos no magistério, em detrimento de crianças que estavam matriculadas. Contigo não foi diferente, Anísia, foste transferida para a Cidade de Flores, também situada no Sertão pernambucano, que de Flores só tinha o nome. Foram penalizados teus alunos, e teus filhos privados de tua companhia e orientação. Ambos ficavam vários dias afastados dos filhos, que permaneciam com os avós e tias em Itapetim. Vocês passaram a ter duas residências, por causa disto tinham que se locomover todos os finais de semana para estarem em família.

Foi de seu pai, Seu Juvêncio, que nasceu a sugestão de que seus dois filhos mais velhos, Osmundo e Álvaro que estavam em idade escolar, deveriam ficar em Patos na companhia do pai e da avó paterna, Dona Nanú. Mas para isto era necessário que alguém ajudasse nas lides da família, uma vez que Dona Nanú era bastante idosa, por isso seria muito cansativo cuidar sozinha daquelas crianças. Foi aí que entrei na história da vida dessa grande mestra! Seu Juvêncio, um homem de visão larga, sabia do meu desejo de estudar e da falta de condições financeiras, então fui convidada para acompanhar as crianças e ajudar àquela vozinha cheia de boa vontade, mas limitada pela idade avançada a fazer tudo sozinha. E foi quando tive a oportunidade de continuar meus estudos. Durante o dia fazia o que era necessário, para colaborar com a família e, à noite, freqüentava o colégio.

Sei que não foi fácil para ti, Anísia, vir a Patos a cada 15 dias e esperar as férias para passar ao lado dos filhos e do marido. Sempre estavas em três lugares, sempre em trânsito, o que causava muito sofrimento, mas ninguém ouvia de ti reclamação alguma. Além das preocupações com os dos filhos que estavam em Patos, com os que estavam em Itapetim, ainda te preocupavas comigo!
Foi nesse vai e vem da vida que percebi o imenso farol de luz que tu eras. Um ser humano diferente, e que os valores morais, a educação e a bondade de teus pais faziam parte de tua genética.

Tua filosofia de vida era hereditária. A paciência, a arte, e a humildade vieram de tua mãe. A sede de informar, ensinar, abrir clareiras, servir e acolher, eram características que trazias do teu pai. Por teres nascido neste berço de tanta riqueza de valores morais, culturais e religiosos, é que te tornaste modelo de mãe extremosa, mestra autêntica e esposa dedicada.

Guardamos na memória esse testemunho de vida, vida de abnegação, de paciência, de humildade, de ternura, de sensatez, de harmonia e de equilíbrio, recheado de um sorriso fácil, mesmo em meio as adversidades. Era um sorriso largo, franco e acolhedor. Onde quer que estivesses, tinhas sempre nos lábios uma palavra de apoio, um gesto de ternura, uma forma de ajudar que só tu mesmo eras capaz de descobrir.

Além de mãe, esposa, educadora, amiga, foste dotada de muitas aptidões, as quais desenvolvias muito bem, ora como poetisa, ora como escritora, ou mesmo pintora, enfim, artista de alma e de coração, é o que tu foste!

Ao sentir tanto a tua falta eu te pergunto:

- Onde estás? Vivendo no mundo espiritual, na pátria celeste, no céu! Eu sei que é aí que tu estás. Estarás emcontato com aqueles entes queridos que te precederam ? Tenho certeza que a vida continua em outros planos e que tua busca incessante também.

Passastes feliz, porque eras feliz. Os sofrimentos e desencontros da vida terrena, para ti nunca foram obstáculos, foram, sim, oportunidades de vencer, crescer, buscar e aprender.

Aqui rendo essa homenagem a ti amiga, prima e mestra querida! Inclino-me e beijo tuas mãos num ato sincero de gratidão, todo dia, todo tempo, toda hora, é sempre hora de te dizer: Muito obrigada! Terás minha eterna gratidão por tudo que aprendi contigo. Pelos valores morais e espirituais, pela filosofia de vida, baseada na compreensão, no amor incondicional e na arte de perdoar.

Um dia nos reencontraremos e te renderei mais uma vez a homenagem que sempre serás merecedora.

Carlinda Nunes de Brito





 
Juvêncio Bezerra da Silva e Maria Aláide de Farias, Anísia, Adalva, Júnia e Judite Bezerra de Farias.
" Egresso de Belo Jardim, onde Juvêncio trabalhava com miudeza na Casa Estrela, em Rio Branco, hoje, Arcoverde.
Em 1928, quando chegou em Itapetim-PE, então município de São José do Egito - PE casou-se com Maria Aláide de Farias, com 31 anos de idade e alí fixou residência.

Fonte: Acervo de Adalva Bezerra.


Jaime, Anísia, Osmilda, Alberto, Osmundo e Álvaro.


A primeira comunhão de Osmundo e Álvaro na residência do casal, em Patos PB.
Eu, Carlinda Nunes, figurando ao lado de Jaime e Mazé, momentos decisivos e inesquecíveis da minha vida.

Inauguração do Grupo Municipal Dr. José Germino em Patos-PB, no ano de 1972

Com Dr.Olavo Nóbrega, primo de Jaíme, fazendo um discurso. Perto de Anísia está a sua filha Osmilda Leite.

2 comentários:

Lusa Vilar disse...

Quando chegamos a uma determinada idade na vida, sentimos necessidade de fazer reflexões. Por que somos o que somos? Que caminhos escolhemos diante do livre arbítrio? Quem cooperou conosco para preenchermos as páginas em branco do livro da vida, além, é claro, dos nossos pais,pioneiros da nossa educação? A família e a escola são, reconhecidamente, as instituições responsáveis pela nossa educação, principalmente na infância quando ainda somos massa plasmática e podemos ser moldados.
Não somos produto do meio, isso já foi mais que provado. Mas somos influenciados por ele. E no momento das minhas reflexões, eu vôo de volta ao meu passado e me encontro pequenina, sentada nos bancos escolares do D. José Lopes, aprendendo a crescer com a saudosa mestre Dona Anísia, essa mulher virtuosa, prendada, de quem Carlinda soube falar tão bem. Talvez, as primeiras letras eu pudesse aprender sozinha. Mas, sozinha, jamais conseguiria a formação necessária para me tornar a cidadã que sou hoje.
O caráter dessa grande mulher que foi espelho nos tempos idos da minha infância, serviu para que nos tornássemos cidadãos formados na verdade, na justiça e na retidão.
Educar, para aquela mestra era algo muito mais profundo, não se limitava a instrução, a formação tão somente intelectual, que dá ao homem apenas o deslumbrante domínio das letras.
Continua ...

Lusa Vilar disse...

... Nos tempos de Dona Anísia, Júnia e Dida, as moças de Seu Juvêncio, a educação em Itapetim era de outra estirpe. Tínhamos teatro, coral infantil,(dos quais participei) aulas de pintura, danças , oratória, declamação de poemas, etc. E o que mais estimulava a garotada é que essas manifestações culturais eram feitas publicamente. Nós éramos levados ao Salão Grande do Pe João Leite, e a cidade inteira ia nos assistir. Acho que nem mesmo elas sabiam da grandiosidade dos seus trabalhos desenvolvidos com a infância e a juventude de Itapetim. Talvez, quem sabe, já tinham conhecimento da "Paidéia" o ideal da educação na Grécia, pois entendiam que deviam dar educação para dar ao homem uma forma humana, tornando-o um cidadão. Talvez, quem sabe, esse meu jeito destemido de lidar com as questões políticas e sociais, respeitando o direito dos outros, sem abrir mão das minhas verdades, seja reminiscências do privilégio de ter vivido nos tempos em que os mestres se preocupavam mais com essa forma de educar, procurando construir o indivíduo de forma completa, integral e bem estruturado. Nos tempos atuais, os interesses, principalmente por parte dos governos, são outros. Não lhes interessam formar cidadão reflexivos, porque fica cômodo não ter oposição. A juventude vai sorvendo sabedoria com um único propósito, que é o de abrir portas para um emprego. Tudo virou uma questão meramente comercial.Pensar, filosofar, hoje está fora de moda, o tempo urge, a corrida atrás do vil metal não deixa tempo para o homem pensar no que está ao seu redor. Era dentro da escola que a gente aprendia as letras, língua estrangeira, música, expressão artística e cultural, bordados, pintura, desenho, canto, organização social e política, religião, enfim, aprendíamos a ser cidadãos na sua inteireza.
Não é saudosismo é confrontação com o que está acontecendo no mundo atual. As pessoas têm medo de contrariar interesses, ou se calam ou falam o que não pensam, para preservarem suas oportunidades. Não valem pelo que são, mas pelo que lhes dão. São produtos pré-fabricados pelo meio em que vivem. Não tiveram a oportunidade de fortalecer princípios, amalgamar ingredientes sólidos para a formação de suas personalidades. Por incrível que pareça, não troco a formação que trouxe, aos 18 anos,da terra em que nasci, por todos os cursos que fiz depois que cheguei à capital. Foi de moças como as de Seu juvêncio que aprendi a ter dignidade e responsabilidade com o futuro, porque nele viverão meus netos e minha posteridade, portanto não levarei ao túmulo o pecado da omissão. que dentre todos os outros é o mais grave.Obrigada, Dona Anísia, minha segunda professora, Dona Júnia e Dida por terem me tornado uma apaixonada pela educação, despertando em mim, ainda uma idade tão tenra, o gosto pelos estudos, pela arte, pela política, pela música, pelo teatro, pela religião, numa cidadezinha onde não tínhamos, sequer, energia elétrica, água encanada, televisão, revistas e jornais. Na escola, tínhamos apenas um quadro negro, um pedaço de giz e um mural de gravuras pendurado em um cavalete, para que olhássemos para elas e fizéssemos uma dissertação. Eu nunca esqueci da figura do burro comendo uma cenoura.Tanto é que hoje quando leio " O burro e a cenoura", logo me vem aquela figura à mente. Mas havia tanta criatividade que o pouco que tínhamos em bens tangíveis não fazia muita diferença para o aprendizado, principalmente, porque aquelas mestras abraçavam a profissão como um verdadeiro sacerdócio e só faltavam fazer mágica para que aprendéssemos seus ensinamentos. Saudades, muitas saudades da minha infância e das pessoas maravilhosas que fizeram parte do meu passado.

Parabéns, Carlinda pela sua brilhante crônica.”